Uma atividade na minha especialização fez com que eu separasse uma experiência crítica na minha residência, e resolvi fazer um relato de uma situação que mostra bem o que eu admirava na equipe de Cirurgia Geral onde fiz residência, a equipe do Dr. Silvério Couto. Todos os meus preceptores me ensinaram muito mais que cirurgia, mas especialmente o Henrique, teve uma participação muito importante na minha formação.
Henrique Jacob Sevaybricker Filho "O aspecto mais importante da minha preceptoria, como aluna, foi a presença do preceptor, no sentido de assistência sempre presente ao longo do caminho de aprendizagem.A palavra preceptor envolve ensinar a clinicar, por meio de instruções formais e com determinados objetivos e metas, além de integrar os conceitos e valores da universidade e da prática clínica. Um preceptor em especial encarnou essa definição de maneira especial.Um caso que me marcou sobremaneira na minha residência de cirurgia foi de uma senhora de cerca de 80 e poucos anos, que nossa equipe foi chamada para avaliar, devido à dor em hipocôndrio direito e necrose de parede abdominal. Devido às morbidades concomitantes da paciente, na corrida de leitos realizada pela minha equipe, a cirurgia foi contraindicada e optou-se pelo tratamento clínico. Essa paciente ficou sob minha responsabilidade, ou seja, eu precisaria passar todos os dias na enfermaria de clínica médica e reavaliá-la. Nessa época, um brilhante chefe de uma das enfermarias de clínica médica era muito conhecido pelo seu mau gênio e trato com seus residentes, cuja filha era residente na época, responsável pela mesma paciente e herdeira da genialidade e do temperamento do pai.Todos os dias pela manhã eu desoladamente avaliava aquela senhora e percebia o declínio da sua condição clínica, e a residente de clínica médica também o percebia e me cobrava o tratamento cirúrgico, de uma forma muito agressiva, acusando-me de responsável pela inevitável morte da paciente. Eu saía da enfermaria arrasada emocionalmente, pois sabia que essa paciente dificilmente toleraria o tratamento cirúrgico e faleceria sem o mesmo, em decorrência da progressão da necrose de parede. “Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”.Eu não queria me queixar do comportamento da residente de clínica médica e também não seria “adequado” uma residente de cirurgia geral se mostrar tão susceptível e emocionalmente insegura quanto a uma decisão tomada em conjunto com os preceptores da clínica e cirurgia. Depois do terceiro ou quarto dia, não tolerando tamanha culpa, acentuada pelo bulliyng da colega, procurei meu preceptor quase aos prantos, avisando que me recusava a avaliar aquela senhora novamente.Durante a conversa com meu preceptor, ele me explicou as nuances desse caso específico e compartilhou comigo o sofrimento que esse caso também lhe causava. Elogiou minha postura profissional e a forma como eu me portava frente ao caso, me guiou com conselhos para casos como esse, de modo a ajudar no meu desenvolvimento interpessoal, psicossocial e profissional. Foi uma das muitas vezes em que ele se mostrou Preceptor, Supervidor, Tutor e Mentor. E eu percebi que queria ser como ele.Infelizmente a paciente veio a falecer na mesa cirúrgica. Lamentei profundamente por ela, mas aprendi com meu preceptor a melhor forma de lidar com o caso."