12 de nov. de 2019

Colega Médico: considerações sobre Audiência Pública sobre a Telemedicina - Parte III

Sou médica, com residência em Cirurgia Geral e especialização em Coloproctologia e também em Informática em Saúde, e entusiasta da tecnologia na Medicina.  Gostaria de discutir alguns aspectos, que vou listar abaixo:

POR QUE NÃO FOI FEITA AUDIÊNCIA PÚBLICA ANTES DA REGULAMENTAÇÃO?

Como parte da classe médica e como estive envolvida durante mais de um ano na diretoria da SBIS (Sociedade Brasileira de Informática em Saúde), não vi debates com a classe médica, não vi audiência pública. Tenho que concordar com o Dep. Dr Luiz Ovando que afirma suspeita de viés no processo; que houve pressa em regulamentar, sem na realidade dar, á comunidade médica, os subsídios como manuais de normas e certificação dos softwares (veja aqui) que realizariam as consultas de telemedicina. E imediatamente as empresas de saúde divulgaram o serviço, mesmo sem os manuais de normas ou os requisitos para certificação. 

QUAIS AS ESPECIALIDADES ONDE A TELEMEDICINA PODE SER EFETIVA? EXISTE ALGUMA ESPECIALIDADE ONDE NÃO É?


AMA - Which medical specialties use telemedicine the most? 

Na resolução 2227/2018 do CFM não há menções às especialidades menos afeitas à telemedicina. Como exemplo, a Pediatria e a Coloproctologia, duas especialidades muito dependentes da habilidade médica. Se a presença do médico só é necessária em uma ponta, a mãe da criança filmará a garganta e o ouvido do paciente, ou fará a ausculta com um estetoscópio eletrônico? O paciente exporia a área anal à câmera? Uma enfermeira faria a retossigmoidoscospia como já vi em artigos científicos? Como fica a responsabilização em caso de erro médico por exames que deixaram passar uma lesão? Seria permitido a um outro profissional de saúde usar um transdutor de ultrassom e o ultrassonografista ver a imagem via telemedicina, já que enfermeiros podem fazer a retossigmoidoscopia em outros países?
É evidente que a telemedicina é extremante benéfica na Psiquiatria, na dermatologia na radiologia... Mas e onde não há evidências da sua efetividade? O CFM foi omisso neste aspecto.

SERIA PERMITIDO ÀS OPERADORAS DE SAÚDE, MUNICÍPIOS E ESTADOS TEREM SOMENTE ESPECIALISTAS VIA TELEMEDICINA?

Penso que uma ideia que já deve ter sido aventada pelos gestores da saúde suplementar e da saúde pública é que a quantidade de especialistas presenciais poderia ser extremamente reduzida. Um especialista ficaria encarregado de realizar uma primeira consulta, presencial, que funcionaria como uma triagem, pediria exames e o restante dos atendimentos seriam via telemedicina. Eu, como muitos médicos, imagino o cenário onde nossos colegas recém formados se sujeitariam a esse tipo de atendimento, por imposição do mercado. O CFM foi omisso neste aspecto também.

COMO DEFINIDO PELO CFM, A PRIMEIRA CONSULTA TINHA QUE SER PRESENCIAL. 

O CFM também deixou a desejar nesse quesito. O retorno, por telemedicina, teria que ser com o mesmo médico que atendeu da primeira vez na especialidade? Ou outros médicos  poderiam fazer o retorno por telemedicina se o paciente já tivesse se consultado na especialidade? Pois essas brechas na regulamentação permitem que saúde suplementar e pública definam como passíveis de telemedicina, todos os pacientes que alguma vez já se consultaram na especialidade. Como empresas de saúde estão divulgando serviços de médicos 24 horas por telefone, se o médico que fará o atendimento nunca atendeu o paciente?


FALTA DE PRONTUÁRIO ELETRÔNICO, CONECTIVIDADE, FALTA DE LETRAMENTO DIGITAL...

Trabalho em Belo Horizonte (6º maior município do Brasil) e Contagem ( 2ª cidade de Minas com maior Índice de Desenvolvimento Econômico) como médica. Em nenhum dos dois há prontuário eletrônico onde trabalho, até hoje é EM PAPEL, PASMEM !! Imagina no interior do país. E o CFM vem falar em telemedicina? Infelizmente a telemedicina ainda é a cereja do bolo, sendo que nem o bolo temos!!! 



Por favor, deixem nos comentários as limitações do seu trabalho, suas críticas quanto a telemedicina, ou suas boas experiências onde trabalham com a assistência remota. Gostaria de saber a opinião de vocês.

 Parte I e Parte II


Se quiser saber mais sobre a resolução que foi suspensa, leia: 

Telemedicina e as discussões médicas após a Resolução CFM no 2.227/2018 - parte 1

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