Entre em um consultório médico e você se deparará com um paradoxo da medicina moderna. Logo atrás da mesa da recepcionista estão todos os tipos de tecnologias de ponta da medicina: aparelhos de tomografia computadorizada, eletrocardiograma e de densitometria óssea. Ao chegar à mesa de recepção, contudo, parece que se volta no tempo. A recepcionista te entrega uma prancheta com formulários. Pela enésima vez, precisa se preenchê los, com seu nome, idade, alergias, histórico médico e coisas do tipo.
Apesar de todos os avanços criados pela tecnologia, os registros médicos continuam anacrônicos. Essa situação, porém, começa a mudar, com mais empresas concorrendo para trazer os históricos médicos para a era digital.
A WebMD Health e seguradoras como a Aetna, United HealthCare? e WellPoint? oferecem registros clínicos eletrônicos a seus clientes há anos. Mais recentemente, grandes empregadores, como Wal Mart e AT&T, se uniram para criar sistemas eletrônicos de registros médicos. O Revolution Health Group, liderado pelo antigo chefe da America Online Steve Case, tenta entrar no mercado, assim como o gigante de buscas na internet Google.
Agora, a Microsoft entra na briga. Na última semana, a fabricante de softwares lançou um serviço, baseado em uma ferramenta de busca, que ajuda pacientes a coordenarem partes dispersas de informações clínicas, desde resultados de laboratório e registros de prescrição de remédios até raios X e leituras da pressão sanguínea. Ciente de que os pacientes são avessos a colocar seus dados mais pessoais em um servidor potencialmente livre para olhos curiosos, a Microsoft promete que apenas os pacientes controlarão o acesso a suas informações médicas.
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O receio com a privacidade não é o único obstáculo que a Microsoft pode encontrar pela frente. Os registros médicos dos pacientes são tão resistentes à tecnologia como o resfriado comum a uma cura. Os médicos com consultórios pequenos nem sempre são afeitos a investir em sistemas de computação, quando o retorno parece tão incerto. Poucos hospitais se importaram em criar sistemas que possam recuperar os dados dos pacientes.
O maior obstáculo, talvez, seja o fato de não haver nenhum incentivo econômico real para digitalizar os dados. Pagar os computadores que processarão e armazenarão os dados médicos, para não mencionar o treinamento dos funcionários que usarão esses sistemas, custa dinheiro. O retorno financeiro, na melhor das hipóteses, é incerto.
O clínico geral Robert A. Jenders, que trabalha na unidade de sistemas de informações médicas do Cedars Sinai Medical Center, em Los Angeles, diz que iniciativas como a da Microsoft são encorajadoras. No entanto, o volume de treinamento necessário para adotar os sistemas computadorizados pode não valer a pena para os médicos, habituados à falta de tempo. "Sua prática nos consultórios funciona muito bem do jeito que está agora", observa Jenders. "E tempo é dinheiro."
A Microsoft acredita que pode ter sucesso no que outros falharam. Mudou a equação econômica, de forma a que hospitais e médicos não precisem investir em novos equipamentos para usar o HealthVault?, como foi batizado seu serviço on line para armazenar as informações clínicas dos pacientes.
Fabricantes de softwares de registros médicos, como a Allscripts Healthcare Solutions, trabalharam com a Microsoft para que os médicos, usando os programas da Allscripts, possam facilmente enviar os arquivos à HealthVault pela internet. Quem não tiver os softwares pode transformar os registros em arquivos digitais por meio de um fax.
A Microsoft escolheu Peter Neupert para lançar e desenvolver o HealthVault. Veterano da empresa, ele arquitetou o acordo que criou a MSNBC em meados dos anos 90 e também lançou, posteriormente, a revista virtual "Slate". Neupert deixou a empresa em 1998 para criar, com sucesso, a Drugstore.com, onde ficou até 2004, antes de voltar à Microsoft. Agora, no comando da divisão Health Solutions Group, Neupert avalia que pode desenvolver operações com receitas de mais de US$ 1 bilhão no HealthVault, além de outro negócio de venda de software a hospitais.
A Microsoft espera ganhar dinheiro com o serviço gratuito para os pacientes graças a um serviço de busca na internet inserido na página da HealthVault. O serviço conecta os clientes a uma ferramenta criada pela Medstory, que a Microsoft comprou em fevereiro. Ao contrário dos serviços tradicionais de interesse geral, como o Google e Live.com, da própria Microsoft, a ferramenta da Medstory lista informações específicas sobre saúde, agrupadas em tópicos, como nutrição, medicação e estudos clínicos. Há espaço também para anúncios pagos. É aqui que a fabricante de software espera ganhar dinheiro.
Pesquisa recente da Harris Interactive revelou que 76% dos adultos com mais de 55 anos usam a internet para ajudar a diagnosticar suas condições de saúde. Essas buscas geram entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão em publicidade por ano, segundo estimativas da Microsoft. Neupert acredita que o mercado pode crescer para US$ 5 bilhões nos próximos cinco a sete anos. Caso a Microsoft consiga canalizar mais dessas buscas para sua ferramenta, poderia facilmente sustentar o negócio e, no processo, ganhar espaço do Google, que também planeja sua própria iniciativa para os registros médicos. O Google não dá detalhes, mas informa que os esforços foram adiados para 2008, pelo menos, depois da inesperada saída do engenheiro Adam Bosworth, que era da Microsoft e encabeçava o projeto.
Para fazer a HealthVault decolar, a Microsoft teria de persuadir as pessoas a aderirem. Os que teriam mais a ganhar seriam os pacientes com doenças crônicas. Alguns diabéticos, por exemplo, precisam monitorar o nível de glicose no sangue diariamente, com um instrumento conhecido como gleucômetro. Vários desses aparelhos podem ser conectados a um computador pessoal para que os usuários acompanhem as leituras. A Microsoft trabalhou com a Johnson & Johnson, uma das maiores fabricantes de gleucômetros, para permitir que os consumidores se conectem ao HealthVault.
Convencer os pacientes de que podem garantir privacidade para os dados, no entanto, não será fácil para a Microsoft. Deborah C. Peel, fundadora e presidente do grupo de defesa dos consumidores Patient Privacy Rights, acredita que os servidores da Microsoft terão a maior segurança possível. Isso porque, se houvesse vazamento dos dados, "arruinaria completamente" a reputação da Microsoft, afirma. "Seria como o (vazamento do petroleiro) Exxon Valdez."
A Microsoft está disposta a assumir o risco e aposta que colocar as informações nas mãos dos pacientes acabará rendendo dinheiro e melhorando a assistência médica. Para a empresa, o HealthVault é mais uma aposta numa idéia do que em um salto tecnológico. "Não é a vanguarda total", diz Glen E. Tullman, executivo chefe da Allscripts. "É a vanguarda mais importante."
(Colaboraram Arlene Weintraub, de Nova York, e Robert D. Hof, de San Mateo) - Jay Greene - Fonte: Valor Econômico
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