A veja São Paulo publicou uma netrevista com alguns médicos que é extremamente interessante! Quem tiver a oportunidade e o interesse de ler na íntegra vai achar bastate informativa:
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Por Alecsandra Zapparoli e Giuliana Bergamo (16/09/2009)
Para saber o que clínicos e cirurgiões que atuam na cidade pensam sobre esses e outros temas, distribuímos 5200 questionários a doutores de 21 hospitais das redes pública e privada da capital. Deste total, 1 119 (21%) foram preenchidos anonimamente e devolvidos à redação. Cada um apresentava 47 perguntas de múltipla escolha com espaço para comentários.
Com base nos resultados, dissecamos o assunto em entrevistas com dez médicos de variados perfis cuja identidade também foi resguardada. Questões delicadas como a sensação de poder, a relação com a indústria farmacêutica e a de equipamentos e a influência dos convênios sobre a prática médica foram tratadas com franqueza. Apontar as insatisfações desses profissionais tão respeitados e essenciais para a nossa sociedade é uma maneira de desmitificar seu ofício e chamar atenção para alguns problemas que estão afetando a medicinaVeja São Paulo - Muitos médicos estão extremamente incomodados com a atuação dos convênios. Alguns deixaram longas cartas de protesto em seus questionários. Por quê?
Veja São Paulo - Muitos médicos estão extremamente incomodados com a atuação dos convênios. Alguns deixaram longas cartas de protesto em seus questionários. Por quê?
Dr. Tudo - Há incômodo porque eles interferem numa relação que, até há pouco tempo, se dava apenas entre médico e paciente. Os convênios começaram a surgir discretamente na década de 60 e tiveram seu auge nos anos 80. A questão comercial passou a fazer parte da medicina. Afinal, quem paga se dá ao direito de escolher quanto vai pagar e a quem. O problema, no entanto, vem se intensificando porque, se até dez anos atrás os convênios pagavam a inteligência médica, agora pagam tecnologia, o que é muito mais caro. Com isso, os convênios começaram a fazer um controle muito mais rígido dos gastos.
Veja São Paulo - Como esse controle ocorre no dia a dia dos consultórios?
Dra. Luz - Os convênios têm pessoas encarregadas de nos vigiar. Elas ligam e pedem explicações, dizem para solicitar menos exames. Um funcionário de um plano ruim chegou ao ponto de tentar me convencer a não pedir mamografia todo ano às minhas pacientes. Eu sempre respondia que aquilo era procedimento-padrão. Você acha que vou comer bola para fazer economia para ele? Eu não achei meu CRM (referindo-se à obrigatória inscrição no Conselho Regional de Medicina) no lixo.
Dr. Fêmur - Tenho uma paciente de 80 anos que apresenta estenose da coluna e ficou com incontinência urinária. Precisava operar. Dois colegas que trabalham para o convênio disseram que não havia necessidade de cirurgia. Eu falei: então quero isso por escrito. Eles não mandam. Verbalmente o convênio nega, verbalmente o hospital nega, e o médico fica como um idiota. Falei que estava indo ao CRM, e sabe o que a médica do convênio me disse? "Mas a paciente nem é a titular do convênio! Ela é dependente...Isso é caso de polícia.
Veja São Paulo - Quanto um plano de saúde paga por uma consulta aos seus médicos credenciados?
Dr. Baby - Varia entre 20 e 50 reais, em média.
Veja São Paulo - Como chegam a tais valores?
Dr. Baby - A Associação Médica Brasileira cria tabelas de preços. Nelas, cada procedimento equivale a determinado número de unidades de serviço (US). Para firmar contratos com os médicos que credenciam, os planos de saúde se baseiam nessas tabelas e atribuem valores a uma US. Por exemplo: segundo a tabela de 1996, usada por boa parte dessas empresas, um parto natural custa 1 000 USs e uma consulta, 100. O preço médio de uma US é de 30 centavos. Ou seja, um parto sai por 300 reais e uma consulta, por 30.
Veja São Paulo - Por que os médicos aceitam valores tão baixos?
Dr. Fêmur - Muitos colegas se acanham porque é isso ou nada. A conta é esta: quantos pacientes eu tenho de atender para fazer um supermercado, para pagar a escola do meu filho? Isso é mais real do que se imagina.
Dr. Baby - A medicina está no detalhe. A 20, 30 reais por consulta, não dá para ser detalhista. Então, o médico pede um monte de exames.
Dr. Tudo - Um colega meu, professor da USP, tem duas salas num mesmo consultório. Numa, tem a mesa e uma cadeira para ele. Atende ali os planos de saúde baratos. Na outra, tem duas cadeiras, a mesa e a maca para as consultas particulares e de planos melhores. É o fim da picada.
Dra. Luz - Eu não faço distinção. Atendo as pacientes particulares, de quem eu cobro 150 reais, da mesma forma que as de convênio ruim, que rendem 20 reais a consulta. Mas vale a pena porque, se a do plano gosta de mim, ela certamente vai falar bem da consulta para a amiga ou a irmã, que não necessariamente têm convênio. Assim, para cada duas ou três pacientes de plano de saúde, eu ganho uma particular.
Veja São Paulo - Apenas 4% dos médicos dizem que informam o paciente quando percebem que um colega errou. A maioria (71%) fala com o colega e alguns (11,5%) ficam quietos. Essa é uma atitude protocolar ou é corporativismo?
Dr. Tudo - É corporativismo. O doente tem de ser comunicado. Isso está muito claro nos códigos de ética. Eu acho que discussões sobre como lidar com essa situação deveriam estar na graduação médica, mas não estão.
Veja São Paulo - Por que também é baixo (8,5%) o número de profissionais que informam instâncias superiores sobre erros?
Dr. Mama - Não se costuma falar porque isso causa processo interno, sindicância, depoimento, convocação pelo CRM. Dá um trabalhão.
Veja São Paulo - Os erros têm a ver com a pouca experiência do profissional?
Dr. Coronária - O tempo de experiência é importante, mas os erros geralmente acontecem quando o médico subestima a doença ou o paciente. Outra situação é quando o camarada começa a engordar o currículo e se achar mais importante que o doente. A medicina não perdoa esse tipo de arrogância.
Veja São Paulo - Os médicos se acham deuses?
Dr. Rim - Eu não me sinto assim, mas acho que tenho um compromisso com algo superior e sempre peço ajuda de Deus, porque me sinto com essa responsabilidade. Encaro a medicina como uma missão.
Dr. Tudo - Durante muito tempo, o médico era visto como um semideus. Mas agora isso tem menos força porque a medicina já não é uma ciência tão obscura para o paciente. Antigamente, você dizia uma coisa para o doente e ele não contestava. Hoje não é assim. O médico não tem mais domínio sobre a informação. Os pacientes têm acesso a ela e questionam tudo.
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