Faço parte de uma lista de discussão muito boa da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde e gostei tanto da resposta do Dr. João Marcelo a um post sobre a falta de profissionais de TI em Saúde, que resolvi postar no meu blog. Aí vai:
"Sou médico e há muitos anos interessado em informática na saúde.
Gostaria de tecer algumas considerações sobre o preparo dos profissionais de informática para atuar na área da saúde.
Acho que os profissionais de informática não percebem as diferenças entre a prática profissional em saúde e sistemas bancários, cartões de crédito e gerenciamento de estoques.
Em geral, se fascinam por ontologias e árvores semânticas, relutando (ou não conseguindo) perceber que o raciocínio clínico é muito mais nebuloso e baseado em padrões. Nosso conhecimento vem de bases incertas, sem limites pré-definidos.
Vejo hoje prontuários eletrônicos que não passam de toscas imitações do prontuário de papel. Colocam lá, como quem jogasse em uma caixa, CIDs eletrônicos. Mas quem oferece exames complementares na forma de sistemas de apoio a tomada de decisão que sejam interessantes para aquele CID cadastrado? Quem audita em tempo real a pertinência de um pedido de exames de triagem (sensíveis e não específicos) quando exames de alta especificidade já estão com o resultado disponível para aquele determinado paciente? Quantos estão lendo esse parágrafo sem entender do que eu estou falando?
Nunca vi nos meios onde circulo um prontuário eletrônico que oferecesse sequer uma busca de “string” para o corpo das evoluções. Quanto mais buscas metaindexadas como as do UptoDate, que quando procuramos por petéquias e ele devolve tópicos que tratarão também de plaquetopenia.
Vejo como é fácil para o profissional da informática propor gerenciamentos por curva A, preparar agendas para melhor aproveitamento de salas em centros cirúrgicos ou cruzar fármacos de uma prescrição (usando tabelas prontas, claro) em busca de interações medicamentosas. Mas não vejo eles propondo soluções para saber se o fármaco caro era adequado para as patologias do paciente, nem fazendo sistemas que considerem o tempo de espera do paciente por aquele procedimento que será adiado ou cancelado, tampouco filtrando dezenas de interações estilo pop-up induzindo o usuário à fechá-las mesmo antes de ler.
Faço mestrado e tenho lá contato com as ferramentas de inteligência artificial. Propus nos hospitais onde trabalho que se customizasse a lista de solicitação de exames complementares pelo número do conselho. Eu, na minha especialidade, tendo a necessitar de uma dúzia de exames com muito mais frequência que as centenas que o hospital dispõe. Por que o sistema não consegue me apresentar aqueles em primeiro plano? Por que quando solicito uma angiotomografia (cara e com contraste) ninguém me pergunta antes se uma solicitação de d-dímeros não poderia fornecer informação útil em 30 minutos?
A resposta é essa: por que o pessoal de informática não sabe. Não quer ouvir o cliente. E quando ouve, se dá conta que precisa aprender ferramentas que não dominam ainda.
Recentemente, ouvi de um analista sênior (ele vai reconhecer a frase se lê-la): “nossas rotinas são excelentes, têm mais de duas mil linhas de código”. Ora, isso é critério de qualidade para sistemas de saúde? De uma das analistas que trabalham com ele, ouvi há anos atrás que o sistema do hospital era o melhor por que tinha mais de duas mil telas. Pelo amor de Deus... Me sinto dialogando com um profissional da IBM. Só que na década de 70.
Redes bayesianas (excelentes por simularem muito bem a forma como se pensa diagnósticos diferenciais e se escolhe investigações e condutas), regras de produção (para sistemas de apoio à decisão alimentados por guidelines clínicos), redes neurais para aprender padrões de comportamento de determinados profissionais ou equipes... Onde estão? Não falo nem de algoritmos genéticos nem mapas de estado...
Sinto muito dizer isso, mas acho sim que há despreparo entre os profissionais de informática. Prontuários ingênuos que acumulam menus e penduricalhos, mostram calculadoras e importam tabelas de cruzamento sem adaptá-las não é o que se precisa. Precisamos de gente que programa como a heurística que prevê o uso fora de padrão do cartão de crédito. Não como o sujeito que programa o débito automático ou o gerenciamento de estoque. Se o Google pode me dizer que vou terminar um email sem anexar (como disse como disse que iria) ou que se quero ir para algum lugar provavelmente vou querer partir de onde estou agora, por que nenhum prontuário me avisa que internei um infartado sem prescrever AAS ou adivinha que se pedi uma transaminase é provável que eu queira também outras provas de função hepática?
Sou otimista quanto ao futuro. Mas para isso, alguém tem que ter a coragem e o investimento de querer fazer diferente. "
Dr. João Marcelo Lopes Fonseca
Médico Intensivista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Clínica Médica (HCPA), Medicina Intensiva (HCPA), Gestão em Saúde (Escola de Administração UFRGS)
Os dois sistemas de prontuário eletrônico que tive contato foram programados por estagiários dos primeiros semestres do curso de ciência da computação ou mesmo garotos do ensino médio treinados para criar sistemas de estoque em Object Pascal. Acredito que o problema está na gestão: quem contrata gasta muito em publicidade, design, carros de luxo, e deixa os restos para programadores. Não parece ridículo?
ResponderExcluirAcabo de comprar um prontuário eletrônico - c/ certificação da SBIS inclusive - e estou já surpreso com o tanto de recursos e funcionalidades ausentes.Qualquer aplicativo dá de mil a zero! Meu Deus! Parece que os caras conversaram rapidinho com um ou dois médicos e já lançaram o produto no mercado, nem aí para uma interface carregada, confusa, que você nem consegue editar removendo botões (pode isso?). Não há como customizar o prontuário eletrônico, ele já vem duro (e burro) de fábrica!
ResponderExcluirMeu Deus.
ResponderExcluirRespondi na lista, mas vou deixar meu comentário aqui também. Tenho interesse em Medicina e nem por isso digo como ter de ser a prática do profissional médico, longe de mim ter essa pretensão, acho que com a TI não é muito diferente.
ResponderExcluirEssa visão é muito simplista sobre a TI.
O desenvolvedor faz aquilo que o(s) Analista(s) em conjunto com a equipe multidisciplinar de saúde definiu e especificou como sendo o necessário. Mas será que o que a equipe definiu é o que o médico lá na ponta espera ? Nem sempre.
Será que é assim mesmo que funciona nas instituições ? Existe investimento adequado em TI ? Existe preocupação com o preparo dos profissionais ? Qual é a política de TI da instituição ?
Como vão existir profissionais de TI com conhecimentos suficientes também em saúde se menos de 5% das instituições de saúde no nosso país estão informatizadas ? Com base nisso, quantos profissionais "preparados" para tal existem ? Quantas instituições bancárias existem e investem e quantos anos fazem isso ?
Acho que tem de haver mais ação em gestão e investimentos. Simples assim.
Por favor, experimentem e avaliem o prontuário eletrônico que existe no Portal Saúde Direta (www.saudedireta.com.br) . Gostaria de opiniões a respeito.
ResponderExcluirAtt
Dr Paulo Freire
Dr. João Marcelo Lopes Fonseca, não fizemos mais por falta de recursos. Vontade e conhecimento temos. Conheça nossa proposta inovadora.
ResponderExcluirDr Paulo Freire
Portal Saude Direta
www.saudedireta.com.br
Boas tardes,
ResponderExcluirGostaria de convidar todos os presentes e amigos a experimentarem o Guia Farmacoterapêutico IndiceMed em www.indicemed.com e darem a sua opinião sincera.
Muito obrigado!
Olá Dr. João,
ResponderExcluirMuito interessante o que escreveu. É um grande desafio e também sou otimista. Trabalho na Prontmed (www.prontmed.com), uma empresa de prontuário eletrônico que compartilha seus anseios.
Obrigado pelo texto
Só conseguimos sucesso nos produtos de TI para anestesiologia porque sou programador e anestesista. Com um pé em cada mundo consigo traduzir para desenvolvedores de TI o que o anestesiologista precisa realmente.
ResponderExcluirSe não fosse assim, jamais um programador entenderia a maneira e o que os anestesiologistas registram em seus prontuários. Tanto é verdade que não há um bom produto no mercado mesmo dentro dos grandes softwares de controle hospitalar.
Temos muito o que fazer ainda, mas acredito que o caminho não é técnicos de informática aprenderem medicina, mas médicos aprenderem informática.
Todo mundo querendo ser analista/programador);;;
ResponderExcluirO kra que vende fruta, o kra que vende roupa ou calcado, o kra q tem oficina, o Dr. Advogado;;; todo mundo sabem que é possível aquilo q é possível isso... que isso ta fraco, que poderia ter sido melhor... (concordo plenamente)
Mas toda essa exigência pessoal ou ate mesmo necessária tem um PREÇO;;;
Assim como os serviços prestados por vossa Atividade;;;
Um projeto desse, teor.. para atender o vosso segmento, não leva menos de 5 anos de desenvolvimento com uma boa equipe de Analista, Desenvolvedores e vários Profissionais de SAÚDE também envolvido em todos os módulos... trabalhando DURO;;; então não (generalize) nossa profissão;;;
O erro na verdade aconteceu no inicio (na contratação) do desenvolvedor do PROJETO, por um FULANO que não domina esse segmento; e que pensa que PROGRAMA qualquer um faz, incluindo o parente recém formado na faculdade ou superdotado;;;
Caro Dr. João, concordo plenamente com o senhor, os pacientes não são clientes de cartões de banco e precisam muitas vezes de algo em os sistemas não estão preparadas à realizar, e o responsável não quer fazer mudanças pois são demoradas e custosas, afinal a hora do programador pode chegar a 300 reais, sem dizer da hora da consultoria para realizar os questionamentos necessários para alterar o programa .
ResponderExcluirAtenciosamente;
Dr. Fabio Corsini Motta -
Quiropraxia Clínica – Escolha Quiropraxia e Viva bem