Exmo. Sr.
Dr. Alexandre Padilha
Ministro de Estado da Saúde
Brasil
Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2011.
Excelentíssimo Sr. Ministro,
“Em seus 22 anos de existência, o Sistema Único de Saúde (SUS) avançou. [...] No entanto, certas dificuldades ameaçam a manutenção das conquistas e impedem a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS.”
Este é o primeiro parágrafo do documento “Agenda Estratégica para a Saúde no Brasil” elaborado pela ABRASCO, entregue a Vossa Excelência em 05 de agosto. Em seu compromisso com a Saúde da população brasileira, a ABRASCO mantem atenção redobrada e propositiva diante das dificuldades que ameaçam as conquistas e impedem a efetivação de novos avanços.
A publicação no DOU de 08-08-2011 da contratação pela FIOCRUZ/Ministério da Saúde (MS) da empresa portuguesa de tecnologia de informação ‘ALERT’, no valor de R$ 364.997.809,00, configura-se como a mais recente evidência de uma dessas dificuldades: a Política de Informação e Tecnologia de Informação em Saúde implementada no âmbito do SUS. A gravidade deste evento, que o transforma em fato político, não se localiza exclusivamente na necessidade do estrito cumprimento das normas legais (fundamento apresentado pela Fiocruz para cancelar posteriormente a contratação), mas centra-se na recorrência da decisão política e econômica de ‘buscar no mercado a solução de informática que melhor atenda ao SUS’.
Esta opção política centrada na terceirização ancora-se no pensamento que considera o Estado brasileiro como portador da ineficiência e da ineficácia e que a excelência e inovação são encontradas somente no mercado das empresas de tecnologia da informação (TI). Sem entrar no mérito desse raciocínio, o fato é que ele se esvai diante das evidências históricas da última década. Dentre dezenas de casos que exemplificam o fracasso desta opção, principalmente quando aplicada a questões estratégicas para o SUS, sem sombra de dúvida o projeto do Sistema Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS) constitui o mais emblemático, tanto pelo volume de recursos públicos dispendidos quanto pelo pífio resultado alcançado.
Desde 1999, o Ministério da Saúde (gestão José Serra) já afirmava que o DATASUS não possuía “as condições técnicas para desenvolver o sistema do Cartão Saúde com a agilidade necessária”. Justificava-se assim a decisão política de ‘ir ao mercado na busca da melhor solução’. O edital de licitação previu a contratação por produto, contemplando todo o ciclo de TI, assegurada a transferência de tecnologia: desenvolvimento, propriedade pública do programa fonte, treinamento, infraestrutura, administração. As empresas vencedoras (as multinacionais Hypercon e Procomp) dividiram os lotes das regiões brasileiras. O prazo de término para a entrega do resultado do contrato era julho de 2003!
O MS tem avançado na defesa de interesses públicos em diferentes áreas da Saúde, mas mantem-se fiel ao modelo de terceirização por produto de TI, ao longo desses 12 anos, sempre com a argumentação de que na área pública não há expertise para desenvolver solução de informática para o SUS com a agilidade necessária.
O importante é conhecermos a resposta à seguinte pergunta: Qual a contribuição para o SUS do longo período de implantação desta Política de TI centrada no contrato de empresas, que a Fiocruz reproduz? Há diferentes possibilidades de respostas. Apresenta-se a seguir síntese de resultados de alguns estudos:
CONTEXTO
- O Projeto Sistema Cartão Nacional de Saúde (Sistema Cartão) de 1999 e as diferentes iniciativas implementadas desde então trouxeram poucos benefícios à população e à gestão do SUS, apesar dos vultosos recursos públicos alocados para as terceirizações e do risco de desgaste da proposta diante de 94.580.475 de cidadãos brasileiros já cadastrados, por meio do CADSUS, CADWEB, aplicativos desenvolvidos pelo Datasus.
- O principal resultado para o país do projeto Sistema Cartão foi o desenvolvido pela instância pública de TI em Saúde – DATASUS, em conjunto com SES e SMS: As Bases de Dados Estruturantes (Cadastro de Usuários, Profissionais e Estabelecimentos).
- Não se observa efetiva transferência de tecnologia e de documentação, mesmo quando inclusa no escopo do contrato. A expertise adquirida pela empresa ao procurar adaptar seus produtos ao SUS se desvanece. Mas, passa a fazer parte do ‘ativo’ patrimonial da empresa, conferindo-lhe vantagem competitiva em novos contratos.
- Pouco foi apropriado pelas equipes de TI do SUS do desenvolvimento e implantação de ‘soluções de informática’ decorrentes de terceirização, mesmo com a transferência da propriedade do software, acarretando lock in (aprisionamento/dependência) para manutenção, evoluções tecnológicas e funcionais do produto vis a vis o sucateamento das instâncias públicas de TI.
- Novos recursos foram alocados em outras contratações para refazer articulações do Projeto Sistema Cartão/1999, tendo por base aplicativos desenvolvidos pelo próprio DATASUS (SISREG, SIA/SUS, SIH/SUS e HOSPUB) ao mesmo tempo em que estes produtos deixavam de receber os investimentos necessários a sua evolução. Em paralelo, há novas articulações de contratação em andamento: do INCA/MS com a Alert e do MS com a Totvs para hospitais federais.
- A Fiocruz/MS – instituição de ciência, tecnologia e inovação de excelência no país – também faz a opção pela terceirização. A mesma empresa do contrato de R$ 364.997.809.00 cancelado (ALERT) vem atuando na Fiocruz há mais de um ano, através de contrato anterior. É importante para o Brasil conhecer os estudos da Fiocruz que fundamentaram o diagnóstico de que a ‘melhor solução’ para o país estaria na escolha do produto Alert. A implantação de seu aplicativo vem acarretando diferentes problemas que obrigam o corpo de especialistas e pesquisadores da FIOCRUZ, diante do ‘fato consumado’, a reivindicarem maior aderência à realidade nacional e ao contexto institucional. Os técnicos da empresa europeia vêm se capacitando por meio do diálogo com a equipe/Fiocruz, fato que aumenta o ativo intangível, mas contabilizado, da empresa.
- A opção pela terceirização de desenvolvimento de sistemas complexos, como, por exemplo, Cartão Nacional de Saúde (CNS), Registro Eletrônico em Saúde (RES), Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP), não tem apresentado evidências de benefícios efetivos, nem à população nem aos gestores e profissionais de saúde, à altura dos recursos públicos aplicados.
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