DIMMI AMORA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Máquinas abandonadas como sucata em depósitos. Cartões jogados no lixo ou queimados. Equipamentos eletrônicos novos armazenados em caixas. Esse é o resultado de uma inspeção feita pelo Ministério da Saúde para avaliar o andamento do projeto do Cartão Nacional de Saúde, o Cartão SUS.
Dez anos, seis ministros e R$ 401,2 milhões depois, o projeto não funciona e é fonte de desperdício e suspeita de desvio de dinheiro público.
As inspeções ocorreram em 7 das 44 cidades onde foi implantado o projeto piloto do cartão. A ideia era que o cartão, com tarja magnética, contivesse o histórico médico do paciente, agilizando o atendimento.
Em 2000 foi feita uma licitação para a compra de terminais de atendimento chamados TAS, para ler os cartões. Ao preço de R$ 89,2 milhões, duas empresas -Hypercom e Procomp- venceram a licitação para desenvolver as máquinas e os sistemas para utilizá-las. Na época houve denúncias de direcionamento da concorrência.
Em três anos, 10 mil máquinas deveriam estar em todas as unidades de saúde dos municípios do projeto piloto.
O Ministério da Saúde e 11 Estados deveriam receber outros equipamentos. Em 2001, a pasta autorizou gastos de mais R$ 33,9 milhões.
Nas inspeções feitas em 2008 em Vitória, Florianópolis, Cabo de Santo Agostinho (PE), Campo Grande (MS), Betim (MG), Volta Redonda (RJ) e Castanhal (PA), foi constatado que dos 1.937 TAS entregues nessas cidades, só sete funcionavam em duas cidades: Castanhal e Campo Grande. O restante estava armazenado em caixas ou pior: 251 aparelhos sumiram.
De 1,1 milhão de cartões magnéticos enviados a essas sete cidades para serem distribuídos à população, pelo menos 346 mil estavam guardados.
"Nunca pedem o cartão para nada. É como se ele fosse só para andar na carteira", contou Vanabacia Gomes da Silva, 39, que procurava atendimento para a irmã em um posto de saúde em Cabo de Santo Agostinho. Elas receberam o cartão há quatro anos. Para ela, o atendimento da cidade não melhorou em nada desde então.
No final de 2005, a Procomp foi contratada para um novo serviço dentro do mesmo projeto. Desta vez, sem licitação, ela ganhou mais R$ 11,8 milhões para desenvolver softwares em Aracaju e Fortaleza.
A empresa recebeu todo o pagamento antes de fazer o serviço, de acordo com uma tomada de contas feita pela Controladoria Geral da União, que recomendou a abertura de inquérito para devolução do dinheiro.
O Cartão SUS custou R$ 156,3 milhões entre 2004 a 2009 (valores não corrigidos monetariamente encontrados no Portal da Transparência, do governo federal).
Entre 2000 e 2003, segundo a ONG Contas Abertas, já haviam sido gastos outros R$ 170,6 milhões. Há ainda R$ 74,3 milhões doados pela Unesco, órgão das Nações Unidas.
Desde 2004, o maior beneficiário dos contratos do programa é a empresa de informática B2BR, do Distrito Federal, com R$ 33,3 milhões acumulados.
Numa investigação realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre um dos contratos da B2BR no projeto, técnicos apontaram que houve superfaturamento de 126% na compra de software.
A proprietária da B2BR, Cristina Boner, aparece em vídeos em análise na operação Caixa de Pandora, que investiga pagamento de propina a funcionários do governo do DF.
Fonte: Folha de S.Paulo
outro lado
40 milhões de cartões têm de ser checados
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dos quase 130 milhões de cadastros do Cartão SUS, o Ministério da Saúde diz que 90 milhões são confiáveis e que é preciso checar se há duplicidade nos outros 40 milhões.
O órgão informa, por e-mail, que gastou R$ 397,3 milhões no programa até 2008, sem revelar o valor de 2009 (segundo o Portal da Transparência, foi de R$ 30 milhões). Para 2010, o orçamento para o projeto é de R$ 48,1 milhões. O e-mail diz que o ministro Temporão “ordenou, em 2008, a reformulação do cartão, principalmente na adaptação tecnológica”.
A Unesco afirmou que o convênio de cooperação do cartão encerrou-se em fevereiro de 2008 e que foi produzido um relatório final sem avaliar impactos.
A B2BR diz que não é investigada e que, em relação ao Cartão SUS, apenas vendeu softwares, sempre participando de concorrências. Segundo ela, as recomendações do TCU na investigação sobre a venda de um software para o Datasus foram para órgãos do governo. Além disso, o voto dos ministros do tribunal não considerou que houve superfaturamento.
A Procomp, que pertence à Diebold, informou que cumpriu tudo o que foi determinado pelo ministério e que o projeto funciona bem em Aracaju. A Hypercom não respondeu.
Fonte: Folha de São Paulo, 18/1/2010