Uma das principais promessas de campanha do presidente Barack Obama, a reforma do sistema de saúde, foi aprovada no último domingo. A batalha para a aprovação, no entanto, não foi fácil, a discussão durou quase um ano e a votação foi apertada: 219 votos a favor e 212 contra.
Considerada a maior democracia liberal do mundo, os EUA veem de forma negativa qualquer medida que fortaleça o Poder Executivo e, no limite, represente uma ameaça à liberdade do cidadão.
No Brasil, os meios de comunicação divulgaram que Obama pretendia implantar nos EUA modelo semelhante ao nosso Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa informação provocou certa confusão no imaginário dos brasileiros: “Desde quando o SUS transformou-se em referência para outros países? Se isso ocorreu de verdade, por que os usuários queixam-se tanto do atendimento?”
Para dimensionarmos essas questões, precisamos, antes de tudo, entender o funcionamento do atual sistema de saúde dos yankees. Os Estados Unidos não têm um sistema público de cobertura universal na área de saúde. Portanto, a maioria dos estadunidenses precisa adquirir seu próprio plano de saúde, seja por meio de seus empregadores ou por conta própria. Porém, nem todos os cidadãos conseguem isso, gerando um grave problema social. Segundo uma estimativa feita pelo governo Obama, 46,3 milhões de pessoas não têm nenhuma cobertura de saúde.
No caso dos planos de saúde privados, lemos constantemente matérias falando sobre a quebra de braço entre governo e seguradoras devido às variações nas regras e no valor a ser pago. Em alguns casos, o segurado tem de pagar parte do tratamento médico para depois ser ressarcido pela seguradora.
Para atenuar esse quadro, o governo possui, há anos, alguns programas que atendem pessoas com mais de 65 anos de idade de baixa renda e os veteranos das forças armadas (especialmente os veteranos de guerra). Em outras palavras, na principal potência mundial, se você não tiver um plano privado de saúde, ou seja, dinheiro, não será atendido nos postos e hospitais.
Diante dessa situação, no início do seu governo, Obama aterrissou na Casa Branca portando, embaixo do braço, o projeto da reforma do sistema de saúde. Em fevereiro último, depois de longa discussão e diante do impasse na votação da proposta, empenhou-se pessoalmente e conquistou, domingo passado, a aprovação.
A reforma propõe, entre outras coisas: adoção de regulação mais rígida para as seguradoras; criação de uma bolsa de seguros para quem não tem um plano pago pelo empregador e subsídios para a população carente. Em linhas gerais, Obama está criando um sistema universal de saúde, que pode aproximar-se do SUS no Brasil. Tudo isso deverá custar aos cofres públicos, cerca de US$ 940 bilhões em dez anos.
O episódio deve servir como lição aos brasileiros. O nosso SUS está aquém, especialmente para aqueles que são os seus usuários, daquilo que poderia e deveria ser. No entanto, propor a sua privatização como a solução para todos os seus atuais problemas é um enorme engano. A experiência estadunidense nos mostra que achar que o tal do mercado resolverá questões sociais tão profundas como as que envolvem a área da saúde é uma mistura de ingenuidade e má fé.
Rogério de Souza. Professor e sociólogo. Doutorando em sociologia pela Unicamp.
e-mail: professorogerio@uol.com.br
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