16 de dez. de 2013

Reflexões, propostas e experiências sobre a telepsiquiatria I

Dr. Eduardo Guagliardi é psiquiatra e meu colega na Especialização de Informática Médica na UNIFESP.  Foi convidado a escrever sobre sua experiência com a telepsiquiatria, onde tem grande contribuição a nos oferecer.
Este é o primeiro de seus posts:

De psiquiatra à telepsiquiatra

Diário de bordo de uma trajetória em curso (1)



Todo médico fã das novas tecnologias sonha com o dia em que poderá colocá-las em prática em seu dia-a-dia. Um cirurgião sonha em operar com um Google Glass, um cardiologista sonha com novos modelos de marca-passo, um ortopedista com novas próteses. Mas e quanto a um psiquiatra? Ele sonha com o quê? Psiquiatras escutam seus pacientes e não complementam seus atendimentos com procedimentos. É provável então que, assim como eu, psiquiatras “tecnológicos” sonhem com atendimentos à distância, vídeo e áudio perfeitamente ajustados para uma boa escuta e vínculo. Simples assim.

Inúmeras vezes trabalhei em lugares para onde os pacientes precisavam se deslocar com esforço, para serem atendidos por um especialista. Aquelas pessoas acordavam de madrugada, viajavam por horas e depois me aguardavam chegar em algum desconfortável ambulatório público. Suas consultas não duravam quase nada, se comparado com o tempo que haviam gasto no deslocamento. Muito esforço para receberem um diagnóstico e uma receita ou orientação. Nada que, na verdade, não pudesse ser feito à distância. 

Nos últimos três anos, desde que me “converti” à informática médica, persigo esta ideia, na contramão de uma resolução (como a do CFM) que só um país como o Brasil seria capaz de gerar. Atender meus pacientes à distância virou meu “sonho de consumo”. Em meio à muitas dúvidas e receios de infringir o Código de Ética, sem conhecer as ferramentas mais adequadas para atendimentos à distância e sem interlocutores já estava colocando meu sonho numa gaveta...Vez por outra acessava algum site de um dos núcleos de telessaúde do país, em busca de informações mas estas pesquisas eram sempre frustrantes. O universo da telessaúde parecia correr em paralelo ao mundo real da minha prática médica, protegido e algo inacessível por detrás dos muros do ambiente acadêmico e dos projetos oficiais.

Em meados de 2012, num ensaio de retorno à academia, acabei entrando em contato com o Núcleo de Telessaúde (NUTES) da UFPE por orientação da prof. Claudia Moro (PUC-PR) já que pensava em tentar um mestrado em Tecnologias em Saúde e estudar a Telepsiquiatria. Embora a saúde mental fosse um dos objetivos do serviço, o NUTES não havia até então ido além da realização de web-conferências mais ou menos genéricas sobre temas da área, deixando de lado as teleconsultorias. Em Santa Catarina, estado onde morava na época, o núcleo de telessaúde realizava regularmente o mesmo tipo de atividade na área da saúde mental. Particularmente acho que tais atividades têm um alcance muito limitado e até questionável, especialmente se considerarmos que o país é carente de profissionais de saúde mental e que os transtornos mentais não diagnosticados e não tratados representam grave problema de saúde pública. Continuar oferecendo à Atenção Básica, aos PSFs e Unidades de Saúde apenas palestras sobre “acolhimento” e “não exclusão” em lugar de estruturar um amplo programa de assistência psiquiátrica pelos núcleos de telessaúde, para mim, é quase um desperdício...mas, fazer o quê? 

Nesta série de “posts” vou compartilhar minhas reflexões, propostas e experiências sobre a telepsiquiatria. Nos últimos meses acabei aceitando o convite para integrar a equipe de teleconsultores do NUTES/UFPE com o desafio de criar um instrumento de solicitação de teleconsultorias em saúde mental e, é claro, dar suporte às equipes de saúde do interior do estado, trabalho que está apenas começando e que já tem uma série de dificuldades. Aguardem então pelos próximos capítulos...


Eduardo Guagliardi é médico psiquiatra, formado em 1986 pela UFRJ. Já viveu e trabalhou em vários estados brasileiros, sempre atuando na rede pública e privada. Atualmente é aluno do curso de especialização em Informática em Saúde (UAB-UNIFESP). Escreve regularmente e mantém dois blogs (http://e-saudemental.com e http://edmedandtech.wordpress.com ) além de fazer a curadoria dos temas “saúde mental e tecnologias” e “educação médica e tecnologias” em páginas do Facebook (https://www.facebook.com/esaudemental e http://bit.ly/edmedandtech) e Scoop.it! (http://www.scoop.it/t/pensa-tics http://www.scoop.it/t/edmedandtech). Está no Twitter: @e_saudemental

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