27 de fev. de 2014

coNETções neurológicas

Por Luciana Alves PhD

Não se pode dizer que a invenção da World Wide Web, o famoso WWW, foi o que primeiro marcou as nossas experiências e desejos por diversões mais velozes e por marcante aceleramento da forma como vivemos. Na verdade, constitui uma continuidade das tendências às mídias elétricas que despontaram no século XX. Entretanto, sem dúvida, consiste na forma mais radical de experiência entre as mídias.

O impacto da evolução resultou entre outras coisas na capacidade de interagirmos com um sistema que permite atividades multitarefa. Os computadores e suas janelas (ou as abas) fez com que nossa percepção se tornasse um exímio malabarista em saltar de uma janela a outra, e a mais outra, e a mais outra.

A internet se tornou uma forma de moldar a mente humana. Qual o seu impacto sobre nossa cognição? Usamos a ferramenta e somos modificadas por ela como? Em diferentes áreas de pesquisa sobre o assunto, envolvendo a psicologia, neurobiologia, educação e web afins, estes têm sido unânimes em concluir algo em comum: estar on-line aumenta as chances de que estejamos, durante esta imersão, realizando uma leitura marcada pela superficialidade, rapidez, desatenção, e com poucos efeitos duradouros para aprendizagem.

Em se tratando do que conhecemos sobre plasticidade cerebral, a invenção de um sistema que pudesse refazer nossos circuitos cerebrais resultaria em algo exatamente como a internet, e isso porque há um uso regular da ferramenta. Somo expostos a estímulos sensoriais e cognitivos de forma repetitiva. A prática nos leva a um aprimoramento do uso com consequente aumento da velocidade e destreza no manuseio dos dispositivos. Pense em quantas ações desempenhamos, como digitar com os polegares, utilizar a função touch, rolar a barra de rolagem. Pare e pense.

Enquanto executamos automaticamente tantas ações físicas, nosso córtex visual, somatossensorial e auditivo é bombardeado por um fluxo contínuo e quase infindável de estímulos. Apenas o sentido do olfato e paladar ainda não são impactados pela experiência.

Com a possibilidade de navegar de forma rápida, a Net é uma fonte de “reforço positivo” na medida que nos oferece respostas e recompensas na experiência de imersão. Fácil perceber isso, afinal, vocês acham que a ferramenta “Curtir” no Facebook funciona como o que? Consegue parar e lembrar sua sensação ao ter seu post “curtido”? Como se sente? E quando recebe a resposta imediata a um e-mail importante? Não é bom? Sente-se aliviado? Quando alcança mais amigos no Facebook, mais seguidores no Twitter, como se sente?

A experiência na internet nos possibilita passar por uma experiência altamente recompensadora, com um poder incrível de nos manter conectados a ela pois carrega inerentemente o poder de recompensar, gratificar, nos reforçar positivamente. Já pensou na experiência de imersão na Web desta forma? Em como ela impacta para o que acontece no cérebro?

Quando estamos online deixamos de realizar outras tarefas que também têm consequências neurológicas. Se realizamos novas conexões a partir da experiência com a ferramenta da web, outras conexões anteriormente estabelecidas se enfraquecem, e enquanto novos circuitos se formam, outros vão perdendo a força e o cérebro recicla os neurônios e sinapses em detrimento de outras prioridades. 
De acordo com Dr. Garry Small, um estudioso do impacto das mídias digitais sobre o nosso cérebro, as mesmas estão alterando de forma importante a forma como vivemos, nos comunicamos, e profundamente nossos cérebros.

Alguns resultados de estudos realizados com usuários do Google, demonstraram que aqueles mais experientes apresentavam amplas áreas do cérebro com atividade em relação àqueles menos experientes. Aqueles com maior domínio computacional apresentavam a parte frontal esquerda do cérebro (córtex dorsolateral pré-frontal) em atividade intensa em detrimento dos menos experientes. Após os cientistas submeterem os “menos experientes” a uma experiência diária na internet, os mesmos foram testados novamente e aquelas áreas antes sem nenhuma ou pouquíssima ativação passaram a exibir grande atividade.

Em outro estudo, os pesquisadores descobriram que navegar na internet e ler um livro apresenta padrões de atividade diferentes entre si. Em leitores de livro, as áreas ativadas são aquelas associadas com a linguagem, memória e processamento visual. Em usuários experientes da internet as áreas ativadas são as encontradas em leitores, mais as regiões pré-frontais, que estão associadas à tomada de decisões e resolução de problemas.

Uau! Que boa notícia! A princípio sim, e idosos podem se beneficiar bastante desta atividade que trabalha tantas funções cerebrais. Mas pelo mesmo motivo, isto torna compreensível porque é tão difícil se realizar uma leitura mais aprofundada de algo, e concentrar de forma continuada. As inúmeras distrações a que somos submetidos na navegação na NET reduz significativamente nossa capacidade de realizar conexões mentais ricas, que por sua vez estão sendo deixadas de ser usadas em grande proporção.

A superficialidade da experiência com a informação tem implicações importantes para a memória de longo prazo e impacta para o aprendizado. A informação que nos chega “carga cognitiva” ultrapassa sua capacidade de processamento, e o resultado é a incapacidade de armazenar a informação na memória de longo prazo.

A sobrecarga à nossa memória de trabalho imputada pela forma como vimos interagido com a internet tem um preço para nossa cognição. Os Bits estão sobrecarregando nossa memória de trabalho, e enquanto algumas coNETções cognitivas estão sendo realizadas, outras conexões anteriormente estabelecidas estão morrendo.

Agora vou voltar à minha ginástica cerebral. Vou ler um livro aqui.

Confira no meu canal do YouTube: How Google is Reshaping Your Brain

Luciana Alves é Neuropsicóloga, Mestre e Doutora em Ciências da Saúde, e faz Residência Pós-doutoral no Instituto de Ciências Biológicas - UFMG, com temática relacionada à Infoveillance & Infodemiology, junto ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Dengue. Ministra curso com temática relacionada com Informática em Saúde, coordena, como colaboradora, uma linha de pesquisa em Mobilidade em Saúde e Segurança da informação no np-Infosaude – UFMG. Fundou e Lidera uma atividade de cunho social denominada PACEMAKERusers.com, e é CEO - Chief Executive Officer na Bionics Health and Technology
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