15 de jun. de 2016

Homenagem ao meu precetor de Cirurgia: Henrique Jacob Sevaybricker Filho

Uma atividade na minha especialização fez com que eu separasse uma experiência crítica na minha residência, e resolvi fazer um relato de uma situação que mostra bem o que eu admirava na equipe de Cirurgia Geral onde fiz residência, a equipe do Dr. Silvério Couto. Todos os meus preceptores me ensinaram muito mais que cirurgia, mas especialmente o Henrique, teve uma participação muito importante na minha formação.
Henrique Jacob Sevaybricker Filho


"O aspecto mais importante da minha preceptoria, como aluna, foi a presença do preceptor, no sentido de assistência sempre presente ao longo do caminho de aprendizagem.

A palavra preceptor envolve ensinar a clinicar, por meio de instruções formais e com determinados objetivos e metas, além de integrar os conceitos e valores da universidade e da prática clínica. Um preceptor em especial encarnou essa definição de maneira especial.

Um caso que me marcou sobremaneira na minha residência de cirurgia foi de uma senhora de cerca de 80 e poucos anos, que nossa equipe foi chamada para avaliar, devido à dor em hipocôndrio direito e necrose de parede abdominal. Devido às morbidades concomitantes da paciente, na corrida de leitos realizada pela minha equipe, a cirurgia foi contraindicada e optou-se pelo tratamento clínico. Essa paciente ficou sob minha responsabilidade, ou seja, eu precisaria passar todos os dias na enfermaria de clínica médica e reavaliá-la. Nessa época, um brilhante chefe de uma das enfermarias de clínica médica era muito conhecido pelo seu mau gênio e trato com seus residentes, cuja filha era residente na época, responsável pela mesma paciente e herdeira da genialidade e do temperamento do pai.

Todos os dias pela manhã eu desoladamente avaliava aquela senhora e percebia o declínio da sua condição clínica, e a residente de clínica médica também o percebia e me cobrava o tratamento cirúrgico, de uma forma muito agressiva, acusando-me de responsável pela inevitável morte da paciente. Eu saía da enfermaria arrasada emocionalmente, pois sabia que essa paciente dificilmente toleraria o tratamento cirúrgico e faleceria sem o mesmo, em decorrência da progressão da necrose de parede. “Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”.

Eu não queria me queixar do comportamento da residente de clínica médica e também não seria “adequado” uma residente de cirurgia geral se mostrar tão susceptível e emocionalmente insegura quanto a uma decisão tomada em conjunto com os preceptores da clínica e cirurgia. Depois do terceiro ou quarto dia, não tolerando tamanha culpa, acentuada pelo bulliyng da colega, procurei meu preceptor quase aos prantos, avisando que me recusava a avaliar aquela senhora novamente.

Durante a conversa com meu preceptor, ele me explicou as nuances desse caso específico e compartilhou comigo o sofrimento que esse caso também lhe causava. Elogiou minha postura profissional e a forma como eu me portava frente ao caso, me guiou com conselhos para casos como esse, de modo a ajudar no meu desenvolvimento interpessoal, psicossocial e profissional. Foi uma das muitas vezes em que ele se mostrou Preceptor, Supervidor, Tutor e Mentor. E eu percebi que queria ser como ele.

Infelizmente a paciente veio a falecer na mesa cirúrgica. Lamentei profundamente por ela, mas aprendi com meu preceptor a melhor forma de lidar com o caso."

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