30 de set. de 2013

O que é Big Data e porque os médicos odeiam isso

Big Data é, na prática, a tecnologia que permite analisar qualquer tipo de informação digital em tempo real sendo importante para a tomada de decisões. A novidade é que essa tecnologia permite lidar com informações e dados não estruturadas como tweets, posts no facebook, geolocalização, vídeos no youtube e outros dados que  dependem das pessoas e do contexto para serem entendidos.

Parte do Infográfico Big Data de O Globo

O Big data pode ser usado pela área de gestão da saúde com foco centrado nos custos e resultados, com fins a compilar dados não só para o estabelecimento de metas a serem atingidas no plano da saúde individual como também para o estabelecimento de programas e políticas no âmbito da saúde coletiva. A análise dessa enorme quantidade de dados estruturados e não estruturados permite melhorar o cuidado com doenças crônicas (impedindo ou minimizando complicações de diabetes e hipertensão arterial, por exemplo), mostrando eficácia clínica de um tratamento X para um paciente Y(golden-patch) e diminuindo readmissões.

Um dos mais importantes divulgadores da ideia da aplicação do Big Data na área da Saúde é o líder do Mckinsey Global Institute, Michael Chui. De acordo com Chui a ocorrência de epidemias de doenças pode, muitas vezes, ser mensurada até por meio de buscas feitas no google. Na mesma direção cientistas ambientais estão capturando enormes quantidades de dados de qualidade do ar de zonas poluídas e tentando combiná-los com bases de dados de saúde igualmente volumosas para a produção de insights sobre doenças respiratórias. Epidemiologistas têm reunindo informações obtidas nas redes sociais para identificar melhor a propagação de doenças e até mesmo criar sistemas de alerta precoce. Em outro uso que vem sendo dados ao Big Data, pesquisadores estão vasculhando diversos bancos de dados do governo e de clínicas nos EUA para tratamentos de melhor relação custo-benefício para centenas de doenças, informações estas que poderiam transformar as políticas de saúde.

Outros exemplos do uso do Big Data são o projeto que vêm sendo realizado no Kwait, (desenvolvido pela Aridhia Informatics) cujo objetivo é relacionar o registro eletrônico de saúde com dados de Diabetes, e o projeto para monitorar pacientes com câncer, correlacionando os riscos de doenças crônicas bem como a avaliação de pacientes com prescrições de certas medicações associadas a condições clínicas que vem sendo realizado no Reino Unido. No âmbito acadêmico, professores da Harvard Medical School desenvolvem uma pesquisa em farmaco-epidemiologia com o objetivo de aumentar a segurança e efetividade dos medicamentos.

Mas se os benefícios são tantos por que é que alguns médicos odeiam o Big Data? Como toda ferramenta de gestão, ela está voltada para o fornecimento de indicadores exclusivos de produtividade e eficiência voltados quase sempre para o estabelecimento de critérios de parametrização da relação custo/benefício. Infelizmente critérios de efetividade e eficácia em geral são secudarizados pelos gestores na área de saúde uma vez que tais indicadores muitas vezes podem interferir substancialmente nos custos envolvidos no sistema.

Em seu artigo no Information Week, Paul Cerrato, afirma que “algum contador decidirá o que é o desempenho”, e seu temor é  que as aplicações da análise de Big Data associadas à pressão para ajustar a prática clínica à enorme lista de métricas de desempenho pode forçar os médicos a evitar o trato de pacientes mais velhos e doentes cujo quadro clínico podem baixar sua estatística de desempenho em razão do tratamento mais adequado a ser utilizado. Exemplo disso é a política do governo Obama nos EUA de pagamento por performance dos médicos, baseado em metas de produtividade verticalmente estipuladas.

Um exemplo real desta situação pode ser verificada em uma iniciativa da ABIM Foundation que criou uma lista ( denominada Choosing Wisely) de práticas médicas, exames e testes que não são apoiadas por evidências, e que portanto seriam desnecessárias ou poderiam inclusive causar danos. Estão entre os procedimentos listados "não realizar teste de papanicolau de rotina em mulheres de 30 a 65 anos de idade" (e mais alguns outros que podem ser vistos no quadro abaixo). Polêmicas à parte, a inclusão destes procedimentos à essa  lista acabaram por receber o aval de 25 sociedades médicas.

Embora não esteja claro se as companhias de seguros de saúde irão utilizar as listas para controlar os custos ou até mesmo negar a cobertura, é do conhecimento público que planos médicos de cuidados de saúde estão trabalhando cada vez mais com as sociedades médicas sobre as diretrizes de qualidade e os resultados que reduziriam a realização de exames e procedimentos desnecessários.

A maioria dos médicos concorda que a política das operadoras de planos e seguros de saúde em remunerar diferenciadamente o médico pode limitar suas opções terapêuticas. As políticas de meta referencial ou gerencial (método usado pelas operadoras para monitorar e, freqüentemente punir – pecuniariamente ou não – o médico que solicita mais exames complementares do que a média mensal de seus colegas) e o pagamento por performance (uma modalidade que premia médicos que cumprem metas de redução de exames) são práticas são proibidas pelo CFM e condenadas pelas demais entidades médicas, todavia é de amplo conhecimento dos profissionais de saúde que  algumas operadoras continuem a adotá-las.

No âmbito da saúde pública no Brasil, o PMAQ é uma política do Ministério da Saúde e utilizado no SUS cujo objetivo é incentivar a ampliação do acesso da população aos serviços de saúde e a melhorar da qualidade da atenção básica mediante a contratualização de compromissos e indicadores a serem firmados entre as Equipes de Atenção Básica e os gestores municipais, em que uma recompensa financeira que pode ser repassada às ESF (equipe de Saúde da Família) por decisão do gestor municipal em caso do cumprimento do acordo de resultados. Essa política, apesar da boa intensão de melhorar a atenção básica no SUS, é uma política de pagamento por performance praticada pelo Estado Brasileiro.

O Debate em curso envolve uma tensão (que é crescente) entre a mercantilização do trabalho médico por meio do estabelecimento de controles e metas de produtividade baseadas na contabilização (e em alguns casos restrição) dos instrumentos de diagnóstico e de procedimentos que interferem objetivamente na prática da clínica por meio da limitação dos recursos disponíveis ou da “ameaça” de penalização do profissional. O Código de Ética Médica veda ao médico deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. A decisão dos procedimentos deve ser do médico, preparado na ciência de curar e que melhor conhece os convenientes e os inconvenientes de cada conduta, e principalmente no quadro clínico individual de cada paciente.

Ao usarmos o Big Data e as listas de procedimentos recomendáveis, assim como as ferramentas de gestão, não estaríamos deixando de lado casos que não são estatisticamente significativos, mas que, são pacientes que, em razão destas diretrizes, poderão deixar de ser diagnosticados e tratados corretamente?

"O que é Biga Data e porque os médicos odeiam isso" é um artigo original do TI Medicina. Quando for copiá-lo ou citá-lo, dar os devidos créditos.

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