8 de dez. de 2009

O poder do paciente

Do blog MW – Consultoria de Comunicação na Saúde:




Ele ganha voz na hora de decidir os rumos do tratamento e começa a dividir com os médicos a responsabilidade sobre os cuidados com a própria saúde

Por Cilene Pereira e Mônica Tarantino
Há uma revolução nos consultórios e hospitais que mudará para sempre a face da medicina. Os pacientes estão deixando de ter um comportamento passivo para assumir maior controle no gerenciamento de sua saúde. Estão se tornando o que os estudiosos desse novo fenômeno batizaram de “pacientes com poder” ou “empowered patient”, na expressão em inglês. Além disso, começam a promover mudanças nas pesquisas, criando, eles mesmos, estudos científicos, assumindo também o papel de geradores de conhecimento sobre as enfermidades.
No Brasil, podem ser vistas manifestações do movimento. A mais recente foi a aprovação do novo Código de Ética Médica pelo Conselho Federal de Medicina. Pelo documento, o médico autoritário cede espaço para o profissional que aceita as decisões do doente. As regras trazem respostas para situações como as que ocorrem com os testemunhas-de-jeová.
Casos que envolvam a necessidade de transfusão de sangue são um tormento para elas. Segundo sua crença, é proibido receber sangue alheio, considerado impuro. Porém, muitas vezes os médicos faziam o procedimento sem seu consentimento. Agora, a decisão do paciente terá de ser respeitada. E os adeptos poderão se sentir aliviados, como o estudante Renato da Silva, 19 anos. Portador de tumor cerebral, ele recusou uma cirurgia, na qual precisaria de transfusão, e optou pela radioterapia. “Respeitaram minha posição.” A aceitação da decisão do doente só valerá quando não houver risco de vida imediato.
O grande motor desta revolução é a informação. Nos EUA, há um efervescente mercado de publicações voltadas para municiar os pacientes sobre seus direitos, por exemplo. Em uma dessas obras, “The Empowered Patient”, há desde instruções sobre como proceder para ser ouvido nas discussões do tratamento até orientações para reduzir a chance de erros de medicação (leia orientações nos quadros da reportagem).
A obra foi escrita pela dentista Julia Hallisy, diretora da organização Empowered Patient Coalition. Seu envolvimento com o assunto aconteceu após uma tragédia particular. Em 2000, ela viu sua segunda filha, Katherine, na época com 10 anos, morrer vítima de um tumor na retina. Durante o tratamento, viveu o lado bom e ruim do atendimento. “Mas não estava informada”, contou à ISTOÉ. “Não sabia o que perguntar ou o que procurar. Por causa disso, ela foi vítima de muitos erros”, diz.
O acesso às informações pela internet foi o impulso para que o movimento crescesse. No início, os usuários buscavam informações sobre sintomas e tratamentos. Depois vieram os blogs, em que pacientes relatam seu dia a dia. Agora, começam a se multiplicar as redes que conectam pacientes. Nesses fóruns virtuais, eles trocam informações sobre doenças, acompanham as novidades, analisam prognósticos. É o que está sendo chamado de Health 2.0.
O nome se refere a uma segunda onda sobre saúde na internet, marcada pela criação de conteúdo pelos pacientes. Por congregarem experiências de tantas pessoas, as redes estão sendo saudadas pela capacidade de formar uma “sabedoria coletiva em saúde” – algo que dá ainda mais poder aos pacientes na medida em que abre um mundo de informações e pontos de vista diferentes.
Um ótimo exemplo destas bases virtuais é o PatientsLikeme. O site abriga relatos de portadores de esclerose lateral amiotrófica (ELA), esclerose múltipla, mal de Parkinson, Aids, fibromialgia, doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade, e de algumas doenças raras. Há 40 mil pacientes cadastrados, mas os responsáveis acreditam que, em três anos, o número chegará a um milhão. “Queremos ajudar a gerar um novo conhecimento sobre as doenças”, disse à ISTOÉ Ben Heywood, um dos fundadores da rede. Ao que tudo indica, estão no caminho certo. O acervo reunido sobre a ELA, por exemplo, é considerado o mais completo do mundo. Além disso, foi do site que nasceu uma experiência pioneira: a condução de um estudo pelos próprios doentes.
A iniciativa partiu do brasileiro Humberto Macedo, portador de ELA, falecido em janeiro. No final de 2007, nove meses depois de ser diagnosticado, ele propôs aos outros participantes que fizessem um acompanhamento do efeito do lítio sobre a doença. Àquela altura, havia indicações de que a droga poderia retardar sua progressão. Rapidamente, 250 portadores se dispuseram. Foi feito um registro das doses tomadas e a evolução de cada um foi anotada. O acompanhamento não está concluído, mas as observações dão conta de que o remédio não está ajudando. O trabalho não segue os modelos científicos, é claro, mas fornece contribuição de peso. “Hoje temos mais dados sobre os efeitos do remédio do que qualquer outro trabalho no mundo”, disse Heywood.
Também estão surgindo iniciativas como o portal Oncoguia, criado pela psico-oncologista Luciana Holtz. “Investimos em orientações para o paciente se colocar na liderança do tratamento”, explica. Entre elas dicas para enfrentar a possível rispidez do médico. Esses projetos cumprem no mundo virtual o que as associações de pacientes – também em crescimento – fazem no mundo real. Nessas entidades também se luta pelo acesso ao que há de mais moderno em tratamento. “É necessário intervir nas leis para ter mais poder”, diz Marília Casseb, presidente da associação ABCâncer.
Iniciativas como essas estimulam o surgimento de um paciente que se empenha em encontrar novas estratégias contra as doenças. O empresário Marcelo Chedide, 52 anos, de São Paulo, é um bom exemplo. Leitor de bulas e de sites, enche de perguntas seu cardiologista, Múcio Tavares de Oliveira. “Questiono sim”, diz. Não faz muito tempo, sua conduta provou-se útil. Atingido por uma alergia de pele que coincidiu com a troca de uma medicação, Chedide pesquisou até descobrir qual substância tinha chances de dar mais reações. Depois, discutiu o assunto com o cardiologista, que concordou e substituiu o remédio. “O Marcelo me ajuda a ajudá-lo”, afirma Múcio.
A parceria significa, na verdade, uma corresponsabilidade. “O paciente assume o risco de tomar decisões junto com seu médico”, diz o clínico e psicoterapeuta João Augusto Figueiró, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Fica implícito, portanto, que, além de questionar, o paciente precisa seguir as orientações acertadas com o médico. “Se não for assim, as conversas valem apenas como exercício de retórica”, diz o cardiologista Flávio Cure, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. A realidade mostra que, quando o processo é dividido, a adesão ao combinado é mais fácil. “Decisões unilaterais são mais difíceis de serem cumpridas”, diz o clínico-geral Alex Botsaris, do Rio de Janeiro.
Muitos profissionais que relutam em acompanhar as transformações terão de rever suas posições. “Quem não aceitar isso terá problemas para estreitar as relações com o seu doente”, afirma o neurologista Cláudio Fernandes Correa, do Hospital 9 de Julho, de São Paulo. De fato, a necessidade de se relacionar com o novo perfil de paciente é algo cada vez mais presente. E uma das áreas em que isso é mais notável é o momento do parto. “A paciente informada se sente em melhores condições para argumentar com os médicos a favor do parto normal, escapando de uma cesárea desnecessária”, diz a psicóloga Lara Gordon, de Campinas. O casal Maíra Duarte e Gil Kehl estudou muito para ter mais poder de dizer não à cesariana. “Fiquei forte para fazer as minhas escolhas”, diz Maíra, mãe de Benjamin, 3 anos, e Miguel, 8 meses, ambos nascidos de parto normal.

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